JOSÉ PERDIZ, 80.
E
então, depois dos palhaços e dos malabaristas, começou o teatro. Na
arquibancada de tábuas, o pequeno Perdiz gruda no pai e acompanha maravilhado
os movimentos de um toureiro, que transforma o picadeiro do circo numa arena de
sonhos. A peça é uma adaptação de Carmen,
de Bizet, e no momento em que o herói morre e sobe pelas escadas para um céu
imaginário, a criança se emociona.
Voltando
para casa, aos nove anos, o menino sentia qualquer coisa parecida com uma
grande transformação. “Meu pai nem imaginava o que tinha provocado. Sonhei com
o teatro várias vezes. No sonho, minha vida se misturava com a vida dos personagens.”
Quase
cinquenta anos se passaram sem qualquer contato com teatro. Até que em 1987, Perdiz
recebe um pedido para montar uma peça na sua oficina, na 708/709 Norte.
“Comprem
as tábuas e eu faço a arquibancada,” ele responde. Com certo atraso, Perdiz assistiria
ao seu segundo espetáculo, Esperando
Godot, de Beckett. De alguma forma se sentiu na velha arquibancada do circo
de Araguari, em Minas.
Depois
disso seguiram-se diversos espetáculos, festas, fortes amizades. O Teatro
Oficina Perdiz se tornou espaço disputado por artistas e público. Até que
interesses de construtoras na posse do terreno levaram a uma determinação de
retirada da oficina.
Os
espetáculos estão proibidos. Os últimos anos, Perdiz viveu esperando. É um tipo
de espera que o machuca lentamente. Ver Perdiz na oficina hoje em dia é
perceber, melancolicamente, que ele está e não está mais lá. Os amigos já não
estão. Os clientes também não. Perdiz espera ao lado do seu assistente, mudo, e
do seu cachorro Banzé. A arquibancada de tábuas já foi arrancada faz tempo e espera
esquecida em qualquer lugar pelo dia da mudança.