quarta-feira, 20 de março de 2013

RETRATO 6


JOSÉ PERDIZ, 80.

E então, depois dos palhaços e dos malabaristas, começou o teatro. Na arquibancada de tábuas, o pequeno Perdiz gruda no pai e acompanha maravilhado os movimentos de um toureiro, que transforma o picadeiro do circo numa arena de sonhos. A peça é uma adaptação de Carmen, de Bizet, e no momento em que o herói morre e sobe pelas escadas para um céu imaginário, a criança se emociona.

Voltando para casa, aos nove anos, o menino sentia qualquer coisa parecida com uma grande transformação. “Meu pai nem imaginava o que tinha provocado. Sonhei com o teatro várias vezes. No sonho, minha vida se misturava com a vida dos personagens.”

Quase cinquenta anos se passaram sem qualquer contato com teatro. Até que em 1987, Perdiz recebe um pedido para montar uma peça na sua oficina, na 708/709 Norte.

“Comprem as tábuas e eu faço a arquibancada,” ele responde. Com certo atraso, Perdiz assistiria ao seu segundo espetáculo, Esperando Godot, de Beckett. De alguma forma se sentiu na velha arquibancada do circo de Araguari, em Minas.

Depois disso seguiram-se diversos espetáculos, festas, fortes amizades. O Teatro Oficina Perdiz se tornou espaço disputado por artistas e público. Até que interesses de construtoras na posse do terreno levaram a uma determinação de retirada da oficina.

Os espetáculos estão proibidos. Os últimos anos, Perdiz viveu esperando. É um tipo de espera que o machuca lentamente. Ver Perdiz na oficina hoje em dia é perceber, melancolicamente, que ele está e não está mais lá. Os amigos já não estão. Os clientes também não. Perdiz espera ao lado do seu assistente, mudo, e do seu cachorro Banzé. A arquibancada de tábuas já foi arrancada faz tempo e espera esquecida em qualquer lugar pelo dia da mudança.