segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

RETRATO 5


ALFREDO NASCIMENTO, 27.
Alfredo sabia que tinha que avisar à mãe do amigo. Mas com o telefone na mão, não sabia como dar a notícia.
Foi como um desencontro trágico, aquilo que marcou os últimos momentos da amizade entre Alfredo e Fabrício. Sem parentes em Brasília, costumavam se encontrar nos finais de semana. Mas Alfredo tinha sempre que insistir muito para convencer o amigo a sair de casa. “Ele era um cara triste, muito triste.”
Até que, surpreendentemente, Fabrício ligou num sábado antes do Natal. Convidou Alfredo para almoçar. Alfredo já tinha acertado com outras pessoas e pediu que Fabrício viesse junto. Ele não foi. No domingo foi Alfredo quem ligou. Fabrício disse que tinha que estudar. Mas depois ligou de volta e disse que estava em um restaurante. Mas Alfredo já estava em outro lugar. Deixaram pra lá. Mas antes de se despedir, confirmaram que passariam juntos a noite de Natal. Mesmo assim, na terça-feira, 20 de dezembro, Fabrício se matou.
Uma bala na cabeça e um bilhete de despedida: “Desculpa”, além de duas frases riscadas. Algumas coisas podem ser reparadas, outras não.
Ficaram então essas duas frases misteriosas que diziam qualquer coisa que, de acordo com a vontade do autor, não deveria mais ser dita. Há pessoas que passariam o resto da vida com esse bilhete nas mãos, concentrando todo o esforço dos seus dias na tentativa de descobrir a mensagem das letras por baixo daqueles riscos violentos.
Algo como um pedido de socorro que deveria ter sido feito, mas não foi. Em vez disso Fabrício encomendou um revólver. No dia em que a encomenda chegou, ele saiu para comprar munição, voltou para o quarto, sentou na beirada da cama e disparou uma bala na cabeça, por trás da orelha.
Veio a quarta-feira, 21 de dezembro, e o corpo de Fabrício permaneceu lá. Os amigos do trabalho estranharam a ausência dele, e como não conseguiam contato pelo celular, foram ao apartamento, na 711 Norte. No meio do impacto com o cenário de horror, tentaram se lembrar de alguém da família, mas eles não sabiam sequer da existência do amigo de juventude aqui em Brasília.
Um deles lembrou que a mãe de Fabrício trabalhava no Banco do Brasil. Ligaram para a agência de Feira de Santana. A mãe estava de férias. Mas o recado foi dado. Logo a notícia chegaria até Alfredo, percorrendo um caminho sinuoso que partia da Asa Norte, passava pela Bahia e chegava ao destino no Lago Norte, contradições típicas das pessoas que não compartilham suas vidas. Alfredo soube também que a mãe de Fabrício estava em Caldas Novas. Tinha planejado fazer uma surpresa para o filho e pretendia aparecer na noite de Natal.
Alfredo sabia que tinha que avisar à mãe do amigo. Mas com o telefone na mão, não sabia como dar a notícia.
Por fim, ligou. Quis ajudar em tudo que fosse preciso. E assim foi. Ela não sabia andar em Brasília, então ele foi esperá-la na entrada da cidade. Foram juntos à delegacia, organizaram o velório no cemitério da Asa Sul e providenciaram a cremação.
Durante os intervalos amargos dessa via sacra de procedimentos de praxe, Alfredo tomava conhecimento de detalhes dos quais nem desconfiava. Aquele que o deixou mais impressionado revelou que, todos os anos, Fabrício tirava férias no mês do seu aniversário dizendo que iria para Feira de Santana, mas nunca foi. Ficava sozinho em Brasília, com o celular desligado. Aliás, ele só voltara uma vez à sua cidade natal, desde que mudara para a capital, o que provocava certa mágoa na mãe.
Fabrício e Alfredo eram amigos da época de escola, em Feira de Santana, na Bahia. “A gente ia junto para o colégio, mas deu muito trabalho encontrar um assunto que despertasse algum interesse nele. Era muito calado.”
Depois entraram na mesma turma da faculdade de Direito em Salvador. Até que Fabrício passou em um concurso e veio para Brasília. Alfredo veio depois. “Lembro que perdi o avião, peguei um voo bem mais tarde e não consegui avisar nada pra ele. Mesmo assim, quando cheguei ao aeroporto à noite, no meio de uma grande chuva, ele estava me esperando.”
Depois do velório a mãe de Fabrício pediu um último favor: que a acompanhasse até a saída da cidade na direção de Salvador. Alfredo atendeu. Eles se despediram na estrada. À medida que a imagem do carro se desfazia no horizonte confuso do Cerrado, levando as cinzas de Fabrício de volta à Bahia, Alfredo se lembrava do dia em que chegou a Brasília e o amigo estava esperando por ele.
“Ele foi me buscar quando eu cheguei, e eu o levei quando ele teve que ir embora.” Era o dia 24 de dezembro.



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