sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

RETRATO 1



LENIR DE LIMA, 50.

Lenir é uma figura grande. Vaga pelo Setor Bancário Sul com um saco de farinha pendurado pelas costas e um caminhar pesado e incerto, que entrega algum velho problema com os pés.

Para num corredor estreito ao lado do Banco do Brasil, colocando-se no meio da passagem, o saco agora jogado ao chão, mãos na cintura e cabeça erguida, assim como se tivesse alguma revelação profética a fazer, e a maré de pessoas que segue na sua direção é obrigada a se dividir na bifurcação do seu corpo. Todos desviam, ninguém dá dinheiro. Mas ele garante que, como acontece todos os dias, receberá o suficiente para passar a noite no hotel do Seu Barriga, de endereço impreciso, e ainda desfrutar de uma refeição. É assim desde 1994.

Lenir é um gigante que nasceu no meio do concreto há cinqüenta anos. Prefere a Brasília de hoje àquela do início “quando não tinha nada”. Seu pai era massagista em um clube de futebol e sua mãe foi ficando doente até desaparecer. Quando? Só lembra que foi na época de Bebeto e Romário, e, segundo ele, isso diz muita coisa. Discretamente sugere algo como uma máfia no futebol, responsável entre outras coisas pelo desaparecimento da mãe. O que importa é que depois disso algumas rupturas aconteceram, no cérebro e no coração.

As referências de Lenir são assim incomuns. Sabe que já viajou a São Paulo, mas não lembra como foi. Já trabalhou em fábricas, em canavial e esteve preso por bater numa pessoa. “Foram eles que mandaram.” Quem? “Esses da luz amarela que vivem tirando a paciência da gente.” E sua indignação atropela o absurdo e tudo parece ser de conhecimento geral. As vozes da luz amarela, ao que parece, levaram Lenir a freqüentar clínicas psiquiátricas. “Eles sabem que sou doente.” Ele, às vezes sabe, às vezes não.

Anuncia um Novo Brasil que está sendo construído em algum lugar “depois de Belém”. “Muitos já foram pra lá.” E você, Lenir, gostaria de sair de Brasília? “Brasília é uma cidade violenta, mas eu tenho que ficar aqui porque o dono do banco está me devendo uns documentos. Mas se pudesse eu gostaria de mudar para o meu próprio planeta, um que eu mesmo pudesse construir.”

Lenir não sabe, mas entre as jornadas pelo Setor Bancário Sul e as noites de sono no hotel do Seu Barriga, ele já vive um pouco no seu próprio mundo.

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